Lula mandou matar Celso Daniel, diz Marcos Valério operador do mensalão
Em depoimento inédito, o operador conta que o ex-presidente deu aval para pagar a chantagista que iria apontá-lo como envolvido no assassinato do prefeito.
No fim da década de 90, o empresário Marcos Valério
Fernandes de Souza começou a construir uma carreira que transformaria
radicalmente sua vida e a de muitos políticos brasileiros nas duas décadas
seguintes. Ele aprimorou um método que permitia a governantes desviar recursos
públicos para alimentar caixas eleitorais sem deixar rastros muito visíveis.
Ao
assumir a Presidência da República, em 2003, o PT assumiu a patente do esquema.
Propina, pagamentos e recebimentos ilegais, gastos secretos e até despesas
pessoais do ex-presidente Lula — tudo passava pela mão e pelo caixa do
empresário. Durante anos, o partido subornou parlamentares no Congresso com
dinheiro subtraído do Banco do Brasil, o que deu origem ao escândalo que ficou
conhecido como mensalão e levou catorze figurões para a cadeia, incluindo o
próprio Marcos Valério. Desde então, o empresário é um espectro que, a cada
aparição, provoca calafrios nos petistas.
Em 2012, quando o Supremo Tribunal
Federal (STF) já o condenara como operador do mensalão, Valério emitiu os
primeiros sinais de que estaria disposto a contar segredos que podiam
comprometer gente graúda do partido em crimes muito mais graves. Prometia
revelar, por exemplo, o suposto envolvimento de Lula com a morte de Celso
Daniel, prefeito de Santo André, executado a tiros depois de um misterioso
sequestro, em 2002.
Na época, as autoridades desconfiaram que a
história era uma manobra diversionista. Mesmo depois, o empresário pouco
acrescentou ao que já se sabia sobre o caso.
Recentemente, no entanto, Valério
resolveu contar tudo o que viu, ouviu e fez durante uma ação deflagrada para
blindar Lula e o PT das investigações sobre o assassinato de Celso Daniel. Em
um depoimento ao Ministério Público de São Paulo, prestado no Departamento de
Investigação de Homicídios de Minas Gerais, a que VEJA teve acesso, o operador
do mensalão declarou que Lula e outros petistas graduados foram chantageados
por um empresário de Santo André que ameaçava implicá-los na morte de Celso
Daniel. Mais: disse ter ouvido desse empresário que o ex-presidente foi o
mandante do assassinato.
Até hoje, a morte do prefeito é vista como um crime
comum, sem motivação política, conforme conclusão da Polícia Civil. Apesar
disso, o promotor Roberto Wider Filho, por considerar graves as informações
colhidas, encaminhou o depoimento de Valério ao Grupo de Atuação Especial de
Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público, que o anexou a uma
investigação sigilosa que está em curso.
No depoimento ao MP, também gravado em vídeo,
Valério repetiu uma história que contou em 2018 ao então juiz Sergio Moro,
envolvendo na trama praticamente todo o alto-comando petista — só que agora com
mais detalhes e com Lula como personagem fundamental. A história começa,
segundo ele, em 2003, quando Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente
Lula, convocou-o para uma reunião no Palácio do Planalto. No encontro, o
anfitrião afirmou que o empresário Ronan Maria Pinto, que participava de um
esquema de cobrança de propina na prefeitura de Santo André, ameaçava envolver
a cúpula do Planalto no caso da morte de Celso Daniel. “Marcos, nós estamos com
um problema. O Ronan está nos chantageando, a mim, ao presidente Lula e ao
ministro José Dirceu, e preciso que você resolva”, teria dito Carvalho.
“Ele
precisa de um recurso, e eu quero que você procure o Silvio Pereira
(ex-secretário-geral do PT)”, acrescentou. Valério conta que, antes de deixar o
Palácio, tentou levantar mais informações sobre a história com o então ministro
José Dirceu. “Zé, seguinte: o Gilberto está me pedindo para eu procurar o
Silvio Pereira para resolver um problema do Ronan Maria Pinto. Disse que é uma
chantagem”, narra Valério no depoimento. A resposta do então chefe da Casa
Civil teria sido curta e grossa: “Vá e resolva”.
TESTEMUNHA – Luizinho revelou que a
prefeitura era usada como caixa do PT (Bruno Santos/Folhapress)
Valério compreendeu que “resolver” significava
comprar o silêncio do chantagista. No depoimento, ele relata que procurou o
petista João Paulo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, a quem uma de
suas agências de publicidade prestava serviços. Cunha, mais tarde condenado no
mensalão, orientou-o a procurar o deputado Professor Luizinho, que tinha sido
vereador em Santo André e, portanto, conhecia bem o problema. Segundo o
empresário, Luizinho lhe confidenciou que Celso Daniel topou pagar com recursos
da prefeitura a caravana de Lula pelo país, antes da eleição presidencial de
2002, mas não teria concordado em entregar a administração à ação de quadrilhas
e àqueles que visavam ao enriquecimento pessoal. “Uma coisa era o Celso bancar
as despesas do partido, da direção do partido e do próprio presidente.
Outra
era envolver a prefeitura em casos que beiravam a ação de gângster”, teria
afirmado o deputado, conforme a versão de Valério. Seguindo a orientação
recebida de Gilberto Carvalho, Valério procurou Silvio Pereira
(secre¬tário-¬geral do PT) e perguntou se o assunto era mesmo grave e se
realmente envolvia Lula, Zé Dirceu e Gilberto. Resposta: “Ele falou assim:
‘Esse assunto é mais sério do que você imagina’.”. Pereira pediu então a
Valério que se encontrasse com o chantagista.
O SEGREDO – Ronan Pinto: pedido de
dinheiro em troca do seu silêncio (Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/.)
A reunião, segundo Valério, ocorreu num hotel em
São Paulo. “Eu já avisei a quem eu devia avisar, Marcos, eu não vou pagar o
preço sozinho”, teria sido a ameaça de Ronan. O então tesoureiro do PT, Delúbio
Soares, preso no mensalão e no petrolão, também estava no encontro. “Se não
resolver o assunto, eu já senti, esse homem vai explodir de vez, vai explodir o
presidente, o Gilberto e o José Dirceu”, disse Valério a Delúbio depois da
reunião. O empresário e o tesoureiro discutiram a melhor forma de arrumar o
dinheiro para pagar a chantagem. Deu-¬se, então, o encontro do mensalão com o
petrolão. O petista Ivan Guimarães, que à época era presidente do Banco Popular
do Brasil, lembrou os colegas de partido de que fundos de pensão mantinham
aplicações milionárias no Banco Schahin. Era a hora de pedir uma retribuição.
O
banco aceitou fazer um “empréstimo” de 12 milhões de reais em troca de um
contrato de operação com a Petrobras, no valor de 1,6 bilhão de reais. O
promotor Roberto Wider quis saber de Valério se ele conversou com Lula sobre
esse episódio. O empresário disse que sim. “Eu virei para o presidente e falei
assim: ‘Resolvi, presidente’. Ele falou assim: ‘Ótimo, graças a Deus’.”. Mas
não foi apenas isso. Valério contou ao promotor que Ronan Maria Pinto, quando
exigiu dinheiro para ficar calado, declarou que não ia “pagar o pato” sozinho e
que iria citar o presidente Lula como “mandante da morte” do prefeito de Santo
André. Nas palavras de Valério, Ronan ia “apontá-lo como cabeça da morte de
Celso Daniel”.
Na história recente da política brasileira, ninguém
exerceu o papel de operador com tamanho protagonismo como o empresário Marcos
Valério. Dono de agências de publicidade, Valério começou a atuar em esquemas
de desvio de recursos públicos no governo de Eduardo Azeredo (PSDB), em Minas
Gerais. Petistas mineiros conheciam muito bem os bons serviços prestados por
ele aos rivais tucanos.
Por isso, tão logo Lula assumiu a Presidência da
República, abriram-se as portas do governo federal ao empresário. Rapidamente,
Valério se tornou o homem do dinheiro sujo do PT e, nessa condição, cumpriu de
missões prosaicas a estratégicas. Ele conta que se reunia com o então
presidente ao menos uma vez por mês. Palpitava até sobre a indicação de
ministros. A compra de apoio parlamentar era realizada às sombras, numa
engenhosa operação financeira que envolvia bancos, dirigentes de partidos e
dezenas de políticos — tudo na surdina. O empresário só assumiu o centro do tablado
depois de VEJA revelar, em 2005, que o PTB operava um esquema de cobrança de
propina nos Correios. Sentindo-se pressionado, Roberto Jefferson, o mandachuva
do partido, reagiu delatando o mensalão e apresentando ao país o “carequinha”
que operava os cofres clandestinos do PT. O resto da história é conhecido.
O
STF reconheceu a existência do esquema de suborno ao Congresso, considerou-o
uma tentativa do PT de se perpetuar no poder e condenou os mensaleiros à
cadeia. Lula, apesar de ser o beneficiado principal do esquema, nem sequer foi
processado.
Por causa disso, Valério sempre pairou como um
fantasma sobre o PT e seus dirigentes. No auge das investigações sobre o
mensalão, ele próprio tentou chantagear o partido dizendo que se não recebesse
uma bolada implicaria o então presidente da República no caso. Anos mais tarde,
uma reportagem de VEJA revelou que a chantagem surtiu efeito, e o dinheiro foi
depositado numa conta dele no exterior por um empreiteiro amigo. Durante a CPI
dos Correios, Valério de fato poupou Lula. Ele só testemunhou contra o
ex-presidente quando já estava condenado pelo Supremo.
No depoimento ao MP,
Valério disse que não aceitou pagar ao chantagista Ronan Maria Pinto do próprio
bolso, como queriam os petistas, mas admitiu ter participado do desenho da
transação realizada para levantar os recursos. De onde eles vieram? Do
petrolão, o sucessor do mensalão.
As investigações da Operação Lava-Jato já
confirmaram metade da história narrada por Marcos Valério. Para quitar a
extorsão, o Banco Schahin “emprestou” o dinheiro para o empresário José Carlos
Bumlai, amigo de Lula, que pagou ao chantagista. O banco já admitiu à Justiça a
triangulação com o PT. Ronan Maria Pinto já foi condenado pelo juiz Sergio Moro
por crime de corrupção e está preso.
Valério revelou mais um dado intrigante.
Segundo ele, dos 12 milhões de reais “emprestados” pelo banco, 6 milhões foram
para Ronan e a outra parte foi entregue ao petista Jacó Bittar, amigo de Lula e
ex-conselheiro da Petrobras. Jacó também é pai de Fernando Bittar, que consta
como um dos donos do famoso sítio de Atibaia, que Lula frequentava quando
deixou a Presidência. As empreiteiras envolvidas no petrolão realizaram obras
no sítio à pedido do ex-presidente, o que lhe rendeu uma condenação de doze anos
e onze meses de prisão. No interrogatório, o promotor encarregado do caso
perguntou a Marcos Valério se havia alguma relação entre o dinheiro transferido
a Bittar e a compra do sítio. Valério respondeu simplesmente que “tudo se
relaciona”. O promotor também perguntou sobre as relações financeiras do
empresário com o governo e com o ex-presidente Lula:
“— O caixa que o senhor administrava era dinheiro
de corrupção?”
“— Caixa dois e dinheiros paralelos de corrupção,
propina e tudo.”
“— Do Governo Federal?”
“— Sim, do Governo Federal.”
“— Na Presidência de Lula?”
“— Na Presidência do presidente Lula.”
“— Pagamentos para quem?”
“— Para deputados, para ministros, despesas
pessoais do presidente, todo tipo de despesa do Partido dos Trabalhadores”.
Condenado a mais de cinquenta anos de cadeia,
Valério começou a cumprir pena em regime fechado em 2013. Em setembro passado,
progrediu para o regime semiaberto, o que lhe dá o direito de sair da cadeia
durante o dia para trabalhar. O cumprimento de suas penas nunca ocorreu sem
sobressaltos.
Ele já foi torturado num presídio e teve os dentes quebrados. Em
2008, quando esteve preso em decorrência de um processo aberto para investigar
compra de prestígio, Valério foi surrado por colegas de cela que, segundo ele,
estariam a serviço de petistas. Essa crença se sustenta numa conversa que o
empresário teve, anos antes, com Paulo Okamotto, amigo e braço-direito de Lula.
“Marcos, uma turma do partido acha que nós devíamos fazer com você o que foi
feito com o prefeito Celso Daniel. Mas eu não, eu acho que nós devemos manter
esse diálogo com você. Então, tenha juízo”, teria lhe dito Okamotto. “Eu não
sou o Celso Daniel não. Eu fiz vários DVDs, Paulo, e, se me acontecer qualquer
coisa, esses DVDs vão para a imprensa”, rebateu o empresário, segundo seu
próprio relato.
AVISO – Okamotto: ele disse
que Valério poderia ter o mesmo fim de Celso Daniel (J. Duran
Machfee/Futura Press)
Até hoje, o assassinato de Celso Daniel é alvo de
múltiplas teorias. A polícia concluiu que o crime foi comum. Já o Ministério
Público sempre suspeitou de motivação política, principalmente diante das
evidências de que havia um esquema de cobrança de propina de empresas de
transporte público em Santo André, que teria irrigado o caixa do PT. Se Valério
estiver dizendo a verdade — e é isso que as novas investigações se propõem a
descobrir —, a morte do prefeito teria o objetivo de esconder que a prefeitura
de Santo André funcionava como uma gazua do PT para financiar não só as
campanhas políticas mas a boa vida de seus dirigentes, incluindo Lula. A morte
de Celso Daniel, portanto, poderia ter sido realmente uma queima de arquivo.
Irmãos do prefeito assassinado concordam com essa tese e sempre defenderam a
ideia de que a possível participação de petistas no crime deveria ser apurada.
O novo depoimento, embora não traga uma prova concreta, colocou mais fogo numa
velha história.
Nao vai dar em nada. A nossa justica superior esta envolvida ate o pescoço....
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