Diga-me com quem governas e eu te direi quem és!
Bolsonaro, o presidente eleito, está montando sua
tropa de elite no figurino lapidar da caserna. Boa parte do primeiro escalão
tem esse perfil, à imagem e semelhança do capitão reformado que seguiu para a
reserva, mirou a política como destino e assume o poder do País a partir de
janeiro próximo. Quase uma dezena de ministros vestindo uniforme verde-oliva
mudará o panorama de Brasília, que nunca esteve tão militarizada desde os
tempos repressivos da ditadura — embora uma circunstância nada tenha a ver com
a outra, uma vez que o time bolsonarista alcança o Planalto pela via do voto,
sem armas ou ruptura institucional. De todo modo, é de se esperar uma virada de
temperança nas tratativas. Com o Congresso certamente.
Um general comandará a
articulação com os parlamentares. Algo fora do tom habitual de quem, pelo posto
no controle do Executivo, deveria buscar o diálogo e, normalmente, nessas
circunstâncias, escolheria um entre os pares da Casa para tamanho trabalho,
conforme manda a experiência. Não aconteceu. E se o objetivo foi intimidar,
começou mal. Uma coisa é repudiar a politicagem barata e rasteira da coalizão
por interesse, na base do toma lá, dá cá. Outra é partir para a porta lacrada à
negociação nas pautas de interesse nacional. Se assim ocorrer, deve haver
troco. Um Legislativo arredio, barrando demandas ou protelando votações, seguindo
estritamente o regimento para sabotar quem não lhe trata bem, já mostrou em
muitas ocasiões o quanto pode atrapalhar. Perigo de novo no horizonte.
Bolsonaro cercou-se daqueles que o confortam com os
fundamentos da farda e compartilham, ao seu lado, de uma visão de mundo
nacional-estatista e conservadora. Direito legítimo optar pelos camaradas em
quem confia. Algo conveniente e ao mesmo tempo arriscado. Não é de bom tom
discriminar interlocutores de outras platitudes. Há um inegável déficit de
articulação política, tanto em relação ao Congresso quanto junto ao Judiciário.
E o generalato não ajuda em nada nesse sentido. No plano da economia, no
entanto, a história é outra. Aqui o presidente expressa, por enquanto, alguma
sabedoria. Flertou com o modelo neoliberal desde que conheceu o economista
Paulo Guedes e enxergou nele a tampa da panela. Juntos cozinharam a pajelança
do desmonte do setor público em doses homeopáticas de privatização.
Se levarão
adiante é outra história. Bolsonaro acredita piamente, desde a fase como
parlamentar, no princípio do Estado indutor, com uma agenda de valores e
costumes que zela pelos interesses da população, com bancos públicos exercendo
funções sociais e o petróleo compondo a partitura de bens estratégicos. Já
Guedes, da escola ultraliberal de Chicago, infestou o governo com seus
companheiros de mercado, todos de uma competência indiscutível no campo da
livre iniciativa, com visão muito peculiar sobre as prerrogativas de um Estado
mínimo. Se as duas correntes vão se chocar ou se fundir é um mistério. O
presidente eleito, de todo modo, não comprou por completo as teses do czar da
economia e já lhe passou pitos públicos quando ele esboçou uma proposta de
reedição da CPMF e mesmo quando tratou da reforma previdenciária em modelo mais
estendido.
O presidente dá corda aos pendores reformistas de Guedes — até
porque conhece pouco ou nada de Banco Central independente, negociação de
dívida pública, instrumentos contra oscilações monetárias e outras chatices
dessa natureza —, mas segue com um pé atrás. Resistiu à nomeação de Joaquim
Levy para o BNDES e cedeu com ressalvas: “Quem ferrou o Brasil foram os
economistas”, tascou como uma espécie de aviso premonitório de que, lá na
frente, pode vir a mexer na escalação do golden boy. Há outras nuances na
composição do seu governo. O nepotismo, por exemplo. Não há como negar a força
e influência que os três filhos do mandatário terão daqui para frente.
Observe-se o comportamento do deputado Eduardo Bolsonaro que, nos últimos dias,
liderou uma comitiva diplomática a Washington, tal qual um chanceler informal,
e de lá emitiu decisões peremptórias.
A embaixada brasileira será em Jerusalém,
estabeleceu unilateralmente contra toda e qualquer resistência que havia se
formado desde que a ideia foi aventada apenas como possibilidade pelo próprio
futuro chefe da Nação.
Eduardo, de sua parte, não hesitou em cravar.
Pergunta-se: que outro auxiliar, assessor informal ou seja lá a futura função
que venha a assumir no governo em formação, teria tamanha ousadia em
estabelecer uma escolha dessa envergadura sem o beneplácito do mandatário?
Apenas alguém da família que goza de plena autonomia para tanto. Seu irmão,
Carlos Bolsonaro, também exibe uma onipresença que irrita aliados e é tido como
o mais próximo conselheiro do pai. Já travou batalhas com o ministro Gustavo
Bebianno, que irá comandar a Secretaria-Geral de Governo, e atira para todos os
lados na rede social contra quem se interpõe a ele.
Esse formato peculiar de
governo — com tantas variáveis militares, familiares e quetais — começa a ser
testado dentro de pouco tempo. Não se pode dizer que é um modelo moldado ao
fracasso. É apenas diferente. O tempo dirá o quão bem-sucedido ele
eventualmente pode vir a ser.
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