No Chile, greve de caminhoneiros durou 26 dias e derrubou o Presidente
Paralisação de 1972 agravou a crise econômica pela
qual passava o país e culminou no que seria o golpe de Estado que retirou do
poder Salvador Allende.
Há 8 dias o Brasil está parado pela greve dos
caminhoneiros, que já afeta o abastecimento de alimentos, combustíveis e da
indústria. A situação, que fica mais caótica a cada dia que passa, pode ficar
ainda pior, a julgar pelo histórico: em 1972, no Chile, uma greve de
caminhoneiros que durou 26 dias agravou a crise econômica pela qual passava o
país, incendiou diversos outros movimentos grevistas e culminou no que seria o
golpe de Estado que retirou do poder o então presidente Salvador Allende.
Greves de caminhoneiros são notórias em outros
países, como na França, por justamente ameaçar toda a cadeia de distribuição de
um país. No Brasil, onde quase 80% dos serviços de transporte de carga
utilizados são rodoviários, o exemplo chileno merece ser lembrado.
Em outubro de 1972, os caminhoneiros paralisaram o
país pela primeira vez, protestando contra a criação de uma autoridade nacional
de transporte, e ativando o gatilho do que seria uma crise trabalhista no país.
Estimativas do governo apontam que aquela paralisação inicial custou ao país
200 milhões de dólares na época. Hoje, esse valor seria de mais de 1,2 bilhão
de dólares. O governo de Allende resolveu a situação sentando para conversar
com os caminhoneiros no final de outubro, mas já era tarde.
Salvador Allende, então presidente de um governo de
esquerda, havia sido eleito em 1970 com uma plataforma de nacionalização de
serviços, como o sistema de saúde, e da indústria mineral, além de propor a
redistribuição de terras. Um ano depois, em agosto de 1973, 40.000
caminhoneiros voltariam a paralisar o país, ao lado de outros 210.000 donos de
pequenos negócios e empresários.
A instabilidade e a crise econômica levariam o
governo de Allende a ser deposto pelo exército e pela força nacional em 11 de
setembro de 1973, numa tomada de poder que incluiria o bombardeio do palácio
presidencial de La Moneda e o suicídio de Allende, em um dos episódios mais
sangrentos da democracia chilena.
Em agosto de 1973, nos momentos derradeiros do
governo, a paralisação dos caminhoneiros foi tão catastrófica para a economia
que o ministério do Planejamento Nacional emitiu um comunicado sobre as
consequências econômicas da paralisação. “A agricultura está seriamente ameaça,
a indústria desacelerou e o suprimento de commodities atingiu um ponto
crítico”, afirmava o relatório, depois de 23 dias da segunda greve de
caminhoneiros.
“Esta é uma greve política, com o objetivo de
derrubar o governo com a ajuda do imperialismo”, afirmou Gonzalo Martner, então
ministro da pasta. A segunda paralisação foi mais intensa porque o Chile ainda
não havia sequer se recuperado integralmente da que havia acontecido um ano
antes.
O governo de Allende chegou ao ponto de destacar
500 policiais e três tanques rumo a um galpão onde estavam cerca de mil
caminhões para tentar apreender os veículos e forçar os caminhoneiros a
retornar ao trabalho. Nesta sexta-feira, o presidente Michel Temer convocou o
uso das forças de segurança para desobstruir estradas em todo o país. “Vamos
implantar o plano de segurança para superar os graves efeitos do
desabastecimento causado por essa paralisação, comunico que acionei as forças
federais de segurança para desbloquear as estradas e estou solicitando ao
governadores que façam o mesmo”, afirmou o presidente. Até o momento, não há
nenhuma certeza sobre a efetividade do novo penultimato do governo.
Se por aqui há dúvidas sobre quem está por trás das
movimentações, no Chile não foi diferente. A força que impulsionou a greve só
começou a ficar clara muito tempo depois. Um ano depois do golpe que custou o
cargo a Allende, foi revelado nos Estados Unidos que a maior parte de um pacote
de 8 milhões de dólares (48 milhões em valores atuais), enviados ao Chile pelos
americanos, havia sido usada para subsidiar as greves trabalhistas que
comprometeram o governo chileno.
Em depoimento ao Congresso americano, o então
secretário de Estado do governo Richard Nixon confirmou o pacote de
investimentos, mas afirmou que o foco era manter vivos “partidos políticos e
veículos de imprensa ameaçados pelo governo de Allende” e não subverter o
governo.
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