Após impasse, STF decide sobre prisão de Lula; quatro perguntas para entender o que está em jogo
Depois da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva em segunda instância, em janeiro, a defesa do petista adotou estratégias
em diferentes frentes do Judiciário para tentar impedir uma eventual prisão do
presidenciável.
No
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, os advogados de Lula
questionaram pontos da decisão unânime dos desembargadores, que concordaram com
a condenação imposta pelo juiz Sérgio Moro no caso tríplex do Guarujá.
Em Brasília, a defesa entrou
com pedidos de habeas corpus - para garantir a liberdade do
ex-presidente - no Supremo Tribunal Federal.
Depois de semanas de aumento
da tensão nos cenários político e jurídico, Lula obteve duas respostas a seus
pleitos nesta quarta-feira. No fim da manhã, o TRF-4 anunciou que julgará os
recursos do petista na próxima segunda-feira, dia 26. No início da tarde, a
ministra Carmén Lúcia surpreendeu os colegas ao anunciar que levará ao plenário
da Corte o pedido de Lula para obter uma salvaguarda contra a prisão.
A BBC Brasil revisitou os
recursos e explica o que motivou a mudança de panorama e o que está em jogo nos
próximos dias.
1. Por que Cármen
Lúcia pautou o caso de Lula? O julgamento estava previsto?
Em seu pedido de salvaguarda,
a defesa de Lula alega que a prisão do petista poderia acontecer imediatamente
após o julgamento dos recursos de Lula no TRF-4, sem que o petista tivesse
esgotado as possibilidades de recursos de defesa na Justiça. Isso, ainda de
acordo com o advogado Cristiano Zanin Martins, fere o princípio constitucional
da garantia da ampla defesa.
A prisão nessas condições, no entanto, foi autorizada
pelo próprio STF. Em 2016, o tribunal decidiu por 6 votos a 5 que condenados em
segunda instância podem começar a cumprir a pena. No caso de Lula, os
desembargadores do TRF-4 determinaram a prisão do petista tão logo acabassem os
recursos disponíveis no tribunal.
Dada a
proximidade da decisão em Porto Alegre, o julgamento no STF em relação à
liberdade de Lula se tornava cada vez mais urgente. Paralelamente, alguns
ministros da Suprema Corte passaram a criticar a decisão do Tribunal sobre a
segunda instância e começaram a demandar que o STF revisitasse o assunto.
Apesar
disso, o julgamento do pedido de habeas corpus da defesa de Lula no STF não
estava previsto para este mês, tampouco para abril, o que gerou intensa pressão
sobre a presidente da corte, responsável por definir a pauta do STF.
Além dos
apoiadores de Lula, advogados de réus da Operação Lava Jato e parte da classe
política queriam que Cármen Lúcia pautasse o tema o quanto antes. Defensores
dos direitos humanos tinham a mesma visão: o "cumprimento provisório da
pena" não atinge só políticos; existem casos de pessoas que foram
condenadas em segunda instância por crimes comuns e já estão presas, mas podem
ter a condenação revista pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo
próprio Supremo.
Do outro
lado, os partidários da revisão passaram a ser acusados de casuísmo: estariam
dispostos a alterar as mudanças das regras atuais apenas para prejudicar ou
beneficiar Lula.
Mais do
que isso, procuradores da Lava Jato e o próprio juiz Sergio Moro argumentaram
publicamente que uma mudança de entendimento do STF significaria um
"liberou geral" para políticos acusados de corrupção e investigados
na Lava Jato: a ida para a cadeia só após o fim de todos os recursos criaria
impunidade e levaria ao fim das apurações contra a corrupção. É essa também a
posição dos movimentos sociais que pediram o impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff (PT). Militantes do Vem Pra Rua reuniram-se com Cármen Lúcia no começo
da tarde de hoje para tratar do assunto.
Com a decisão de hoje, Cármen Lúcia tenta
"driblar" as críticas que têm recebido de colegas do STF por não
pautar o assunto, ao mesmo tempo em que não desagrada o grupo "pró-Lava
Jato". A decisão será exclusiva para o ex-presidente Lula, e não terá
impactos sobre as situações de outros políticos investigados.
2. Como os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Gilmar Mendes
pressionaram Cármen Lúcia?
Os três
ministros têm liderado no STF o pedido da revisão da decisão de 2016. Marco
Aurélio Mello é o relator das duas ações que questionam o "cumprimento
provisório" da pena. No jargão do tribunal, as ações são chamadas de ADCs
- Ações Declaratórias de Constitucionalidade.
Marco
Aurélio liberou os processos para julgamento pelo plenário em dezembro passado.
As ações foram apresentadas ainda em maio de 2016, pelo antigo Partido
Ecológico Nacional (PEN), e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A
entidade de classe é contra o cumprimento da pena após a condenação em segunda
instância. Já o Ministério Público é favorável.
Na última
quarta-feira, Marco Aurélio conversou com Cármen Lúcia no intervalo da sessão
de julgamento. Pediu que ela pautasse as ações, mas a presidente da corte
desconversou.
Celso de
Mello também conversou com Cármen Lúcia sobre o tema, e teria pedido uma
reunião informal dos ministros para tratar do assunto, a portas fechadas. A
reunião deveria ter ocorrido ontem, mas não existiu. Celso de Mello comentou
com jornalistas sobre a gravidade da situação na Corte, que ele avaliava ser
sem precedentes.
Marco Aurélio
preparou-se então para fazer uma "questão de ordem", em plenário,
demandando que Cármen Lúcia pautasse o tema. Se a maioria dos ministros
concordasse, os processos seriam incluídos na pauta da próxima sessão.
Além de
Celso de Mello e Marco Aurélio, o ministro Gilmar Mendes instou publicamente
Cármen Lúcia, na última segunda-feira, a marcar uma data para o julgamento do
pedido de habeas corpus de Lula.
Pelo menos cinco ministros do
STF são favoráveis à mudança da regra do "cumprimento provisório" da pena:
Celso, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski defendem a volta à regra anterior;
enquanto Gilmar Mendes e Dias Toffoli desejam que a pena seja cumprida após
decisão do STJ. Outros cinco ministros querem manter a regra atual. Rosa Weber,
que votou contra a execução de pena em segunda instância em 2016, não se
posicionou publicamente sobre o tema recentemente. Seu voto atual é
desconhecido.
3. O que acontece
se Lula for derrotado no STF?
O destino do ex-presidente
depende de duas decisões judiciais: a do STF, nesta quinta-feira, e a dos três
desembargadores do TRF-4, em Porto Alegre. Os três desembargadores - Leandro
Paulsen, Gebran Neto e Victor Laus - julgam na segunda-feira um "embargo
de declaração" apresentado pela defesa do ex-presidente, no qual questionam
possíveis omissões ou pontos obscuros da decisão na qual o petista foi
condenado em segunda instância, no dia 24 de janeiro.
Se Lula obtiver um habeas
corpus no STF, qualquer decisão do TRF-4 sobre sua prisão fica em suspenso - e
ele não irá para a cadeia imediatamente. Ainda assim, uma eventual vitória no
STF não anula a condenação de Lula que, em tese, o torna inelegível pelo que
dispõe a Lei da Ficha Limpa.
Se perder no Supremo, tudo
indica Lula deverá ser preso em no máximo 10 dias.
Se houver alguma divergência
entre os três desembargadores do TRF-4 na segunda-feira, o juiz federal Sérgio
Moro, de Curitiba, deverá esperar a publicação do acórdão do julgamento do
recurso. Este acórdão costuma ser publicado em até dez dias. Só então Moro
poderá expedir o mandado de prisão contra o petista.
Mas se não ocorrer nenhuma
divergência entre os desembargadores - cenário mais possível, já que no
julgamento do caso, em janeiro, eles concordaram em tudo - Moro poderá emitir
pedido de prisão contra Lula ainda na segunda-feira. Nas últimas prisões da
Lava Jato, o próprio Moro têm determinado detalhes do cumprimento da pena, como
a cidade e o local onde o preso ficará.
4. O julgamento
muda a situação de outros presos da Lava Jato?
Não. A decisão do STF sobre o
Habeas Corpus de Lula refere-se exclusivamente à situação do petista. Ela não
terá impacto direto na situação de nenhum dos outros políticos investigados ou
processados na Lava Jato, e nem na situação dos presos por crimes comuns que
hoje cumprem pena.
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