O The New York Times, um dos jornais mais
influentes do mundo, publicou esta semana um longo artigo, onde avalia a
influência dos valores cristãos na pauta política da América Latina. Assinado
por Javier Corrales, professor de Ciência Política no Amherst College, uma
faculdade católica em Massachusetts, Estados Unidos. Reproduzo o material (com
adaptações) abaixo:
Hoje em dia, igrejas evangélicas podem ser
encontradas em quase todos os bairros da América Latina – e elas estão
transformando a política como nenhuma outra força no continente. São as
responsáveis por dar às causas conservadoras, e especialmente os partidos
políticos, uma nova força e conquistar novos polos eleitorais.
Na América Latina, o cristianismo costumava ser
associado apenas ao catolicismo romano. Ele praticamente exercia o monopólio
religioso até a década de 1980. O único desafio para o catolicismo era o
anticlericalismo e o ateísmo. Nunca houve concorrência de outra força
religiosa. Mas isso mudou.
Os evangélicos hoje representam quase 20% da
população na América Latina, em contraste aos 3% de três décadas atrás. Em
alguns países da América Central, os evangélicos estão perto de se tornar
maioria.
Os pastores evangélicos adotam ideologias variadas,
mas quando se trata de questões gênero e sexualidade, seus valores são
tipicamente conservadores e patriarcais, ou ‘homofóbicos’ segundo seus
críticos. Eles defendem que as mulheres sejam submissas aos seus maridos,
dentro da perspectiva dos Evangelhos. Em todos os países da região, eles
possuem as posições mais fortes contra a agenda LGBT.
Essa forma de evangelicalismo, de contorno
políticos mostra que eles estão oferecendo aos partidos conservadores eleitores
das classes econômicas mais baixas, o que é bom para a democracia. Isso está
fortalecendo a polarização cultural. De certa forma, a política latino-americana
está sendo reinventada pelos pastores evangélicos.
O Brasil é um excelente exemplo do crescente poder
dos evangélicos na América Latina. Os 90 membros da bancada evangélica no
Congresso frustraram as ações legislativas do lobby LGBT, desempenharam um
papel fundamental na saída da presidente esquerdista Dilma Rousseff, e, mais
recentemente, impediram exposições imorais em museus.
Um pastor evangélico foi eleito prefeito do Rio de
Janeiro, uma das cidades mais ‘gay friendly’ do mundo. Esse ‘case de sucesso’
foi tão grande que os pastores evangélicos de outros países dizem querer imitar
“o modelo brasileiro”.
E parece que esse modelo está se espalhando.
Aliando-se a movimentos católicos, os evangélicos também organizaram marchas
anticasamento gay na Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Peru e México.
No Paraguai e na Colômbia, eles conseguiram que os ministérios da educação
proibissem livros que falassem de homossexualidade para crianças pequenas. Na
Colômbia, mobilizaram-se para derrotar um referendo sobre um acordo de paz com
as FARC, o maior grupo guerrilheiro da América Latina, argumentando que esses
acordos impunham agendas paralelas do feminismo e de ativismo LGBT.
Como os evangélicos se tornaram politicamente tão
poderosos? Afinal, os evangélicos, mesmo no Brasil, ainda são uma minoria, e na
maioria dos países a irreligiosidade também está crescendo. A resposta tem a
ver com suas novas táticas políticas.
Nenhuma tática tem sido mais transformadora que a
decisão dos evangélicos de forjar alianças com os partidos políticos de
direita. Historicamente, os partidos conservadores da América Latina tendiam a
depender da Igreja Católica e desdenhavam do protestantismo, deixando os
evangélicos virtualmente fora da política. Isso mudou. Partidos conservadores e
políticos evangélicos estão unindo forças.
As eleições presidenciais do Chile em 2017
forneceram um exemplo perfeito desta união de pastores e partidos. Os dois
candidatos de centro-direita, Sebastián Piñera e José Antonio Kast, pediram
apoio dos evangélicos. Piñera, que acabou ganhado, tinha quatro bispos
evangélicos como conselheiros de campanha.
Há uma razão pela qual os políticos conservadores
estão abraçando o evangelicalismo conservador. Os evangélicos estão ajudando a
reverter a desvantagem política que os partidos de direita tinham na América
Latina: a falta de vínculos com as camadas mais populares. Como observou o
cientista político Ed Gibson, os partidos de direita geralmente apelavam para
os membros das classes mais altas, geralmente com mais estudo formal.
Mas as igrejas evangélicas estão mudando isso. Eles
conseguem dialogar com eleitores de todos os setores da sociedade, mas
principalmente os pobres. Por isso, estão transformando os candidatos
conservadores em figuras mais populares.
Este casamento de pastores e partidos não é uma
invenção latino-americana. Está acontecendo nos Estados Unidos desde a década
de 1980, já que a direita cristã tornou-se, indiscutivelmente, o eleitorado
mais confiável do Partido Republicano. Até mesmo Donald Trump – que muitos
criticam por não se portar como um cristão – concorreu cercado de líderes evangélicos.
O maior exemplo foi a escolha do seu companheiro de chapa, Mike Pence,
conhecido por ser um evangélico praticante.
Além de formar alianças com partidos políticos, os
evangélicos latino-americanos aprenderam a viver em paz com seu rival
histórico, a Igreja Católica. Pelo menos quando se trata de questões como
casamento gay e aborto, pastores e padres encontraram um terreno em comum.
O melhor exemplo de cooperação tem sido o uso de
“bandeiras” conservadoras – termo usado pelos políticos para descrever suas
causas. Para os cientistas políticos, quanto mais uma bandeira ganha
visibilidade, mais consegue atrair atenção para si e gerar um debate sobre sua
importância, fazendo com que se torne uma questão que influencia a política. Um
teste definitivo para isso no Brasil pode ser a eleição presidencial de 2018,
onde as pautas conservadoras são defendidas por apenas dois pré-candidatos:
Jair Bolsonaro e Levir Fidélix.
Luta contra ideologia de gênero
Na América Latina, lideranças católicas e
evangélicas conseguiram erguem com sucesso a bandeira mais combatida pelo
conservadorismo: a luta contra a “ideologia do gênero”.
O termo é usado para rotular qualquer esforço de
promoção da diversidade sexual e de que gênero se escolhe. Quando os
‘especialistas’ argumentam que a diversidade sexual é real e a identidade de
gênero é uma construção, os sacerdotes evangélicos e católicos respondem que
isso é uma questão de ideologia, não de ciência.
Os evangélicos reiteram que “ideologia” é realmente
o melhor termo, pois isso comprova como é algo político. Afinal, tenta mudar –
sobretudo nas crianças – a percepção do que a sexualidade nada tem a ver a
biologia.
A imposição da “ideologia do gênero” ajudou os
religiosos a perceberem que isso implica numa interferência do estado no
direito dos pais em passarem valores aos filhos. Na América Latina, o slogan
cristão mais comum parece ser: “Não mexa com meus filhos”. E esse é um dos
resultados mais visíveis da colaboração de evangélicos e católicos.
Politicamente, podemos estar testemunhando uma
trégua histórica entre protestantes e católicos na América do Sul: os
evangélicos concordam em abraçar a forte condenação do católicos sobre a
diversidade sexual e vice-versa. Juntos, eles podem ter força para enfrentar o
crescente secularismo globalista, que rejeita toda manifestação moral religiosa
na política.